Em geral, nós humanos e humanas tendemos a mistificar aquilo que não entendemos. Entregamos a Deus a responsabilidade e culpas por ações que, em geral, não conseguimos explicar.
Se puxarmos um pouco na memoria temos vários exemplos: Um grande furacão que atinge uma cidade “É obra de Deus, um castigo divino“ um grande terremoto: “Mistério de Deus, obra do criador. Ninguém entende os seus segredos” e por aí vai.
Essa ingenuidade nos persegue desde sempre. No inicio, quando não entendíamos a chuva, culpávamos o “Deus da Chuva”. Não há nada mais comum do que, em qualquer mitologia (tenta entender o conceito de mitologia antes de falar que eu estou chamando a sua religião de mitologia) do que atribuir a um Deus qualquer ação que, de maneira logica racional, não conseguimos explicar.
Desta forma, aparentemente, quanto mais ingênua for a sociedade, mais propícia a crenças mitológicas ela estará. Uma sociedade sem cultura elaborada, por exemplo, vai atribuir uma certa doença ao castigo divino. O raio de uma tempestade a fúria de Deus, O sol a alegria de um salvador. Etc.
Esse afastamento da cultura elaborada explica, em grande parte, uma associação a fé como salvação da sociedade, traz consigo a necessidade de esperar o salvador, a necessidade de sentar e orar, para que o salvador nos perdoe e, com toda a sua misericórdia, venha nós salvar.
Quando se pensa no ensino de religião na escola e se coloca isso como “Fundamental ao desenvolvimento do indivíduo”, é preciso, antes de mais nada, olhar para o contexto histórico onde isso acontece. A sociedade onde isso é posto.
Ontem, escutei o historiador Leandro Karnal, algo bem parecido com a seguinte frase:
“É um erro pensar que quanto mais Deus na sociedade, melhor essa sociedade será.”
Na verdade, vou um pouco além. Acredito que tais pessoas, aquelas que defendem o ensino religioso na escola, pensam: Quanto mais EU na sociedade, melhor a sociedade será.
O que vejo no bojo deste decreto, deste pensamento, é a necessidade de igualar todos a mim. A necessidade fundamental (fundamentalista?) de todos sermos iguais, de pensarmos iguais. Se eu tenho tal Deus e esse Deus me fez assim, você só será tão bom quanto eu, se seu Deus for igual ao meu.
Lembra da sociedade que não entende o diferente? A sociedade ingênua que acredita que a chuva a tristeza do Deus Chuva? Então, por não entender o contexto social do outro, a historia de vida deste outro. Ela, essa sociedade ingênua, associa o comportamento deste outro, que em geral é diferente do meu portanto, errado, há falta de um deus, ou a escolha de um Deus errado que certamente é diferente do meu. Sua música, sua cultura, seu credo, sua historia, deixa de existir como contexto social e passa, ele, o indivíduo da cultura diferente, a ser visto como um sujeito o qual Deus precisa salvar.
Sua fome, sua situação social, sua doença, sua incapacidade(?) de arrumar emprego, não é, e nunca será, culpa minha ou da minha sociedade, será justificada pela ausência do meu Deus, do meu salvador em sua vida. Tira-se, portanto, da sociedade as questões sociais que dela emergem passando tais questões há alguma divindade.
O que me assusta é o grau de afastamento em que tais pessoas estão da sua sociedade. O quanto elas não conseguem entender que há um abismo social entre uma classe e outra, e que esse abismo é SIM, reflexo de TODA absolutamente TODA uma sociedade. O quanto é necessário SIM repensar a educação pública, que é sim necessário lutar por uma escola pública de qualidade. Mas o olhar para a escola pública como local de fé, local onde se deva ensinar religião, é deixar de ver TODOS os problemas sociais daqueles que a frequentam, é colocar como salvação do indivíduo que ali está a crença em um Deus. É repetir o erro de 1300 de acreditar que a peste negra era um castigo divino, e nunca um problema social. É esquecer da vontade e necessidade do outro como sociedade, e projetar como salvação dele o “reino do meu senhor”.
É muito “Venha nós o vosso reino” para pouco “seja feita a sua vontade”.
Quando vejo uma publicação como está, eu penso: ” Ainda bem que não sou só eu”.
Deus é a muleta do mundo. Quem é Deus? O que Ele quer de nós? O ensinamento deixado pelos antigos era uma religião?
Quem quiser pode me criticar. Tenho minha fé sim.
Tenho fé nas minhas atitudes e determinações. Tenho fé nos ensinamentos de respeito ao próximo que sempre passei aos meus filhos.
Enquanto as pessoas procurarem um culpado por seus erros, precisarão de religião.
E qual é a certa?
O que me parece tudo isso? Simples, mais uma forma de desviar a visão do que realmente se faz necessário.
O que mais me assusta Patricia, o que mais me deixa preocupado, é perceber que essa confusão na educação se repete na saúde, na política, em tudo. O que me preocupa é que o mesmo estado que pretende diminuir as aulas de historia, geografia, filosofia e sociologia define introduzir religião. É pior do que pensamos.
O que eu vejo em toda essa situação são pessoas se aproveitando de um momento de alta instabilidade social, onde seus membros estão cada vez mais perdidos sobre o caminho a seguir, para induzir os mesmos a uma única forma de pensar e agir para um benefício próprio.
Nunca fui uma pessoa religiosa, possuo certas crenças que possam ser caracterizadas como tal mas nada delas me induz a agir ou pensar de forma a excluir a verdade alheia, mas sim para entendê-la e até mesmo fazê-la minha verdade também.
Fico muito irritado da forma como certos órgãos religiosos agem, sugando o pouco que seus seguidores possuem para o benefício próprio e induzi-los a acreditar que seu sofrimento, enquanto em nome da religião, será “pago” no fim. Pior ainda é como eles fazem essas mesmas pessoas se tornarem ignorantes e bárbaras à verdade alheia, atribuindo suas ideias a algo Mal que possui tanta existência quanto o seu Salvador.
Acho uma hipocrisia sem tamanhos dizerem que Sociologia e Filosofia, estudos que permitem as pessoas a criarem seus próprios pensamentos e verdades ao verem uma situação como seu todo, como um ensino “desnecessário”, e ao mesmo tempo implementam um estudo completamente unilateral para essas mesmas pessoas.
Acredito que necessitamos da religião, como dito no seu texto, para justificar aquilo que não temos explicação, mas utilizá-la para substituir aquilo que já encontramos explicação, e depois negá-lo como uma afronta “Divina” é algo completamente imoral, temos que lutar contra esse retrocesso na nossa educação, contra a ignorância em nossas próximas gerações.
Top Vitor. MUITO TOP.