Nivaldo Junior

Sobre o Ensino Religioso na escola pública.

crucifixo na escola


Em geral, nós humanos e humanas tendemos a mistificar aquilo que não entendemos. Entregamos a Deus a responsabilidade e culpas por ações que, em geral, não conseguimos explicar.

Se puxarmos um pouco na memoria temos vários exemplos: Um grande furacão que atinge uma cidade “É obra de Deus, um castigo divino“ um grande terremoto: “Mistério de Deus, obra do criador. Ninguém entende os seus segredos” e por aí vai.

Essa ingenuidade nos persegue desde sempre. No inicio, quando não entendíamos a chuva, culpávamos o “Deus da Chuva”. Não há nada mais comum do que, em qualquer mitologia (tenta entender o conceito de mitologia antes de falar que eu estou chamando a sua religião de mitologia) do que atribuir a um Deus qualquer ação que, de maneira logica racional, não conseguimos explicar.

Desta forma, aparentemente, quanto mais ingênua for a sociedade, mais propícia a crenças mitológicas ela estará. Uma sociedade sem cultura elaborada, por exemplo, vai atribuir uma certa doença ao castigo divino. O raio de uma tempestade a fúria de Deus, O sol a alegria de um salvador. Etc.

Esse afastamento da cultura elaborada explica, em grande parte, uma associação a fé como salvação da sociedade, traz consigo a necessidade de esperar o salvador, a necessidade de sentar e orar, para que o salvador nos perdoe e, com toda a sua misericórdia, venha nós salvar.

Quando se pensa no ensino de religião na escola e se coloca isso como “Fundamental ao desenvolvimento do indivíduo”, é preciso, antes de mais nada, olhar para o contexto histórico onde isso acontece. A sociedade onde isso é posto.

Ontem, escutei o historiador Leandro Karnal, algo bem parecido com a seguinte frase:

“É um erro pensar que quanto mais Deus na sociedade, melhor essa sociedade será.”

Na verdade, vou um pouco além. Acredito que tais pessoas, aquelas que defendem o ensino religioso na escola, pensam: Quanto mais EU na sociedade, melhor a sociedade será.

O que vejo no bojo deste decreto, deste pensamento, é a necessidade de igualar todos a mim. A necessidade fundamental (fundamentalista?) de todos sermos iguais, de pensarmos iguais. Se eu tenho tal Deus e esse Deus me fez assim, você só será tão bom quanto eu, se seu Deus for igual ao meu.

Lembra da sociedade que não entende o diferente? A sociedade ingênua que acredita que a chuva a tristeza do Deus Chuva? Então, por não entender o contexto social do outro, a historia de vida deste outro. Ela, essa sociedade ingênua, associa o comportamento deste outro, que em geral é diferente do meu portanto, errado, há falta de um deus, ou a escolha de um Deus errado que certamente é diferente do meu. Sua música, sua cultura, seu credo, sua historia, deixa de existir como contexto social e passa, ele, o indivíduo da cultura diferente, a ser visto como um sujeito o qual Deus precisa salvar.

Sua fome, sua situação social, sua doença, sua incapacidade(?) de arrumar emprego, não é, e nunca será, culpa minha ou da minha sociedade, será justificada pela ausência do meu Deus, do meu salvador em sua vida. Tira-se, portanto, da sociedade as questões sociais que dela emergem passando tais questões há alguma divindade.

O que me assusta é o grau de afastamento em que tais pessoas estão da sua sociedade. O quanto elas não conseguem entender que há um abismo social entre uma classe e outra, e que esse abismo é SIM, reflexo de TODA absolutamente TODA uma sociedade. O quanto é necessário SIM repensar a educação pública, que é sim necessário lutar por uma escola pública de qualidade. Mas o olhar para a escola pública como local de fé, local onde se deva ensinar religião, é deixar de ver TODOS os problemas sociais daqueles que a frequentam, é colocar como salvação do indivíduo que ali está a crença em um Deus. É repetir o erro de 1300 de acreditar que a peste negra era um castigo divino, e nunca um problema social. É esquecer da vontade e necessidade do outro como sociedade, e projetar como salvação dele o “reino do meu senhor”.

É muito “Venha nós o vosso reino” para pouco “seja feita a sua vontade”.

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